A realidade nada colorida da LGBTfobia no Carnaval
O #VoteLGBT, com o nosso apoio e da Rua Livre, entrevistou foliões e mostrou que o desfile da violência LGBT no Carnaval tá longe de ser colorido. Na verdade, os números da LGBTfobia são vermelhos e precisam da sua atenção já!
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que transexuais e travestis têm direito de mudar seu registro civil sem a necessidade da intervenção judicial e intervenção cirúrgica. A decisão é um importante passo em direção a uma sociedade mais justa, tolerante e igualitária. Apesar disso, esse é o início de uma longa caminhada, pois os indicadores de violência nas ruas ainda mostram um cenário bastante oposto, mesmo durante a festa mais alegre e popular do País: o Carnaval.
Em 2018, o coletivo #VoteLGBT e a iniciativa Rua Livre, com o nosso apoio, estiveram nas ruas do centro da capital paulista e entrevistaram 1.170 foliões, levantando dados, números e histórias sobre LGBTFobia, visando entender o impacto social e político da festa mais popular do País para a comunidade LGBT+. O fato mais marcante, sem dúvida, é que 80% das pessoas abordadas (LGBT+ e não-LGBT+) presenciaram algum ato agressivo durante a folia na capital paulista.
Entre os tipos de violências apontadas estão beijos forçados, corpos sendo tocados sem consentimento, abuso sexual, agressão verbal e física. Infelizmente, as pessoas transexuais ou travestis ainda são as mais afetadas: 33% delas responderam ter sofrido beijo forçado, configurando uma exposição 10 vezes maior se comparada aos homens não-LGBT. De outro lado, 21% das mulheres não-transexuais relatam ter sofrido beijo forçado.
Mais mudanças - mesmo que lentas - estão a caminho!
Um grande avanço em espera, desde 2012, é uma ação que busca criminalizar a LGBTfobia - ou seja, toda ação de violência gerada pela discriminação em relação à orientação sexual ou identidade de gênero do outro. Aguardando julgamento pelo STF, o mandado de Injunção 4733 já teve parecer favorável da Procuradoria Geral da República e tem como Relator o Ministro Edson Fachin, o mesmo que proferiu o voto condutor do julgamento que reconheceu o direito de pessoas transgêneras a corrigir seus documentos sem intervenção judicial.
É importante observar que, raramente, quem sofre a violência, avança com a denúncia à polícia. Dessa forma, o problema não se limita somente à falta de proteção legal, mas também porque faz com que vítima não acredite ou não se sinta acolhida pelo sistema. De acordo com a pesquisa, apenas 8,9% das pessoas que já sofreram alguma agressão tentaram reportar o crime à polícia. Para 45% dos entrevistados, por exemplo, a formalização não aconteceu porque a denúncia "não ia dar em nada" ou não houve sucesso em identificar o agressor (28%). Como destaque, há o fato de que 7,4% das mulheres LGBT escolheram a opção "medo da reação do agressor" para não ir adiante com o registro junto à polícia, enquanto que a mesma justificativa não foi mencionada por nenhum homem não-LGBT. Daqueles que buscam fazer a denúncia, 68% não conseguiram completá-la por razões diversas como, por exemplo, não conseguirem identificar o agressor, terem sido desencorajados ou mesmo pelo tempo de espera necessário para conseguirem fazer o boletim de ocorrência.
Além de subnotificados, os crimes contra LGBT+ efetivamente denunciados são difíceis de contabilizar. Apesar de os boletins de ocorrência eletrônicos conterem campos específicos em que a vítima pode indicar que o crime foi motivado por LGBTfobia, o mesmo não acontece com os boletins de ocorrência preenchidos presencialmente nas delegacias.
População LGBT teve grande representatividade na festa o/
A proporção de pessoas LGBT+ foi mais expressiva nos blocos que se identificavam com a causa, com até 73%, por exemplo, no bloco Minhoqueens. De outro lado, mesmo em dois blocos sem uma identidade pré-definida (Lua Vai e Tarado Ni Você), a população LGBT+ representou cerca de 50% do público, demonstrando que o carnaval de rua de São Paulo tem uma forte participação dessa população.
Quanto à identidade de gênero, 56% das pessoas entrevistadas afirmaram-se mulheres, 43%, homens, pouco mais de 0,5%, travestis, e 1,1% das pessoas entrevistadas não se identificou com nenhuma dessas categorias. As pessoas transexuais ao final compuseram 3,1% do total de mulheres e 4,1% dos homens. É importante apontar que as proporções do público masculino e feminino se assemelham com as verificadas pelo Observatório de Turismo e Eventos (OTE) da Prefeitura, que foram 54% e 46% respectivamente.
Carnaval é ato político!
Conhecida como a época do ano em que os corpos são libertados das amarras, represálias sociais e de contemplação de todas as identidades, o carnaval tornou-se um momento capaz de trazer visibilidade à diversidade. Prova disso são os blocos e confraternizações destinados ao público LGBT+, nos quais 44% das mulheres e homens LGBT+ disseram que os frequentam porque se sentem mais seguros. Além disso, para 51% da comunidade LGBT+, estar presente foi, também, para apoiar a causa, mostrando que ser quem se é no carnaval é um ato político.
Nós por aqui, desde que chegamos no Brasil em 2014, temos tentado ao máximo dar luz e força aos parceiros que encabeçam a luta pelos direitos e conquistas dessa causa (lembra do casamento lindo que fizemos na loja? <3). Nesse carnaval, por exemplo, estivemos presentes apoiando a pesquisa com os foliões com o intuito de recolher números e histórias sobre LGBTFobia e entender qual o impacto social e político dessa festa para a comunidade LGBT. A gente também ensinou o beabá de como NÃO chamar as manas de nominhos que parecem OK, mas na verdade não são, lembra?
Queremos ouvir você
Começamos ouvindo relatos no Carnaval, mas queremos dar continuidade na captação de relatos que nos ajudará, ainda mais, a levantar novos números e histórias por meio da plataforma online. O objetivo é dar voz e visibilidade e trabalhar para apoiar a sociedade civil a construir uma sociedade civil mais igualitária. Quanto mais pessoas participarem com a gente, maior será o impacto e a força que teremos em transformar nosso coletivo.
Vambora? o/
Metodologia da pesquisa: foram realizadas 1.170 entrevistas, divididas entre os dias 10 e 12/02, dentro de quatro blocos identificados com o temática e perfil LGBT+, sendo: Minhoqueens, Agrada Gregos, Love Fest e Bloco do Vale, e outros nove blocos de outras identificações, sendo: Lua Vai, Tarado Ni Você, 77 Originais do Punk, Beat Loko, Não Serve Mestre, Ma-Que-Bloco, Pinga Ni Mim, João Capota na Alves e Filhos de Gil. No total, foram 458 entrevistas em blocos LGBT+ e outras 616 em blocos não-LGBT+, além de 96 entrevistas realizadas com pessoas que estavam de passagem ou indo para outros blocos. A margem de erro máxima, com confiança de 95%, é de 2,8% para mais ou para menos.